sábado, 12 de junho de 2010

começava sempre da mesma maneira. a pequena rapariga estava nas aulas, no intervalo ou até mesmo em casa, mas começava sempre da mesma maneira. num segundo sentia-se bem, no outro começava a ver "luzinhas". ela era pequena e não sabia ainda dar-lhe outro nome, nem sequer sabia a designação científica daquele fenómeno, então deu-lhe o nome de luzinhas. via luzinhas do seu lado direito e estas não desapareciam com facilidade. já estava habituada mas nunca conseguiu manter a calma - o seu corpo começava a tremer, não porque fosse sintoma mas porque a menina sofria de um extremo nervosismo, o que piorava tudo. como um ritual que se repetia de ano a ano, às vezes de tantos em tantos meses, seguidamente às luzinhas perdia o lado direito do seu corpo. o braço tornava-se dormente, a perna tornava-se dormente... não podia nem falar, porque a boca descaía também para o lado direito. depois, uma enorme dor inundava-lhe o lado direito do cérebro. a pequena ficava desorientada com tantas coisas a acontecer ao mesmo tempo. alguém acabava por avisar a sua mãe, o que a deixava muito mais segura. eventualmente, transportavam-na para o hospital (onde, por estranho que pareça, ela se sentia melhor). sabia que assim que a picassem tudo iria ficar bem. entrava nas urgências e começava a vomitar. vomitava tanto, a pobre rapariga... até as dores de cabeça aumentavam. o corpo tremia cada vez mais, tanto que muitas das vezes batia com a sua pequena cabeça na parede ou nos ferros da cama. os enfermeiros e médicos diziam coisas sem muito nexo, mas ela acenava. era mais ou menos nesta altura que ela via a sua mãe chorar. nunca percebera porque é que a mãe chorava, se com ela nada se passava! alguém a picava no braço e lhe injectava o soro. o soro que finalmente lhe iria dar o medicamento necessário. colocavam a sua cama com rodinhas num quarto mais escuro, onde a menina adormecia sempre depois destes acontecimentos e sempre a ver a sua mãe chorar ali ao lado.
a pequena rapariga acordava passadas uma ou duas horas e olhava para o lado. a mãe estava numa grande cadeira azul a dormir. não a queria acordar, mas tinha de lhe dizer que já não via as luzinhas. por algum motivo, ter a sua mãe tão perto era motivo de descanço, paz interior, segurança. a mãe acordava e perguntava-lhe vezes sem conta se ela estava melhor. nessa fase, a menina sentia muita fome e já sabia o que a enfermeira lhe poderia trazer: chá e bolachas maria ou um iogurte de morango. ela comia e sentia-se consideravelmente melhor. a partir daí, perguntava vezes sem conta aos enfermeiros se já podia ir para casa, como sempre. a sua mãe estava ali a conversar com ela. e ela gostava tanto da sua mãe!

eu gosto tanto da minha mãe...

2 comentários:

  1. lembro-me de pelo menos um desses episodios..e o estranho é pensar quanto tempo ja passou! gostei bastante ;) *

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  2. As luzinhas que te vão acompanhar pela vida e servir sempre de desculpa para receberes o carinho materno que por vezes nos esquecemos que gostamos :)

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